AO SOM DOS ATABAQUES
Eu estava ali e em pé
sob o sol quente
De um dia claro de verão.
Comecei a escutar ao longe,
Vozes e sons de atabaques,
Fechei os olhos para ver
De onde vinham....
Vinham de longe,
Vinham subindo a ladeira....
De olhos fechados ainda
Ouvi vozes que se uniam
Aos toques dos atabaques,
E vinham subindo a ladeira.
E dentro daquele canto,
Meus parentes,
Meus avós,
Um idioma esquecido,
Lembranças revisitadas,
Companheiros que partiram,
Saudades de quem não vi,
Relembranças de tantas histórias...
Cheiros de tantas comidas...
Comensais, batuques, senzalas...
Panos de tantas costas...
A porta do nunca mais...
Tumbeiros, jazem sepultados,
E para os
sobreviventes,
As correntes...
Palavras que foram ditas,
Ifás, cantos, profecias...
E o toque dos atabaques,
E o som dos atabaques.
Dos alabês,maestria
E a voz firme e guerreira
Da mulher que conclamava
É preciso ter coragem,
É preciso ter coragem,
É preciso ter coragem
Para lutar.
E vinham subindo a ladeira.
Subiam a ladeira num ritmo lento,
Em passos compassados,
Sendo trazidos pelo vento,
Trazendo consigo o tempo
Ao toque dos atabaques
É preciso ter coragem
E lutar.
Eles vinham subindo a ladeira,
E eu estava ali e de pé,
Sob o sol quente
De um dia claro de verão.
As vozes estavam mais perto,
Os sons, mais próximos já,
Estava de olhos fechados,
Sentia o seu caminhar,
E a mulher que conclamava,
Nunca a senti fraquejar,
Eles vinham subindo a ladeira...
Correias, correntes, corridas,
Coturnos, corjas, feridas,
Alforjes, trocas, moedas,
Fugas, troncos, conspirações,
Versos, cordas, exílios
Mortes, precipícios, canhões...
A vida por uma prata,
A vida por um mil réis,
A vida que vale nada
E a mulher que comandava,
Mais e mais lhes encorajava
A caminhar e lutar,
Correntes, correias, alforjes,
A vida sem valer nada,
Bem menos que uma prata.
Os toques dos atabaques,
As vozes de quem cantava,
O toque dos atabaques,
O toque dos alabês...
E a mulher que comandava,
Mais e mais lhes encorajava,
A caminhar e lutar.
E eu estava ali e de pé,
Sob o sol quente de
Um dia claro de verão.
Passavam por onde estava,
Abri os olhos e vi,
O povo que caminhava,
Numa marcha compassada,
De branco todos estavam,
Abri os olhos e vi,
Os braços que abraçavam,
Num abraço que estreitava,
Mãos que entrelaçavam,
Numa corrente sem aros,
Entre presente e passado,
Ao som dos atabaques,
A destreza dos alabês,
Enquanto a mulher cantava
É preciso ter coragem,
É preciso ter coragem,
É preciso ter coragem
E lutar.
Sacerdotes e atabaques,
E quem por ali andava,
Braços, pernas, narizes e
Bocas,
Tudo, tudo, respirava,
Traduzia e falava,
É preciso ter coragem,
É preciso ter coragem,
É preciso ter coragem
E lutar.
E eu estava ali
De pé,
Sob o sol quente
Da América do
Sul,
De olhos abertos
Bem abertos,
Relembrando os que já
Foram,
Comovidos os sentidos,
Zumbis,Cruz e Sousa,Patrocínios...
Aos que virão,
Sê Bem vindo,
Bem vindo de
Volta ao lar.
A luta se perpetua,
A luta não acabou,
A luta que nos invade,
É preciso ter coragem,
É preciso ter coragem,
É preciso ter coragem
E lutar!
Fátima Trinchão
Enviado por Fátima Trinchão em 04/12/2009
Alterado em 02/04/2020