Fátima Trinchão
Poesias, Contos, Crônicas
Textos

A COMPANHEIRA

                          Era dezembro, o sol aquecia intensamente a cidade litorânea; ir ao trabalho de terno, gravata e paletó, era, na verdade, um tormento; com temperatura tão alta, nem o ar condicionado no último volume produzia os efeitos desejados naquele trânsito intenso,.O engarrafamento, era comum nos dias úteis, naquele horário. Ligou o som do carro, pôs o CD de música clássica que tanto gostava, tinha alguns no seu carro Bethoveen, Bach, Strauss, Schubert...enquanto dirigia pensava no que fora sua vida nos dois últimos anos. Quando a conhecera nasceu-lhe uma imensa esperança de ser feliz. A sua alegria fora tanta e tamanha que tinha certeza que, com ela, seria imensamente feliz. Já não era mais criança, ao contrário, estava quase entrando na casa dos cinqüenta, estava ainda conservado, era um quase cinqüentão simpático, bem apessoado, não era rude, gostava das boas coisas da vida, era um pouco vaidoso, é bem verdade, amava a vida, mas, não dera certo nas coisas do coração. Sentia-se realizado profissionalmente, porém, faltava-lhe algo que certamente preencheria a sua vida. Um dia, um desses dias em que a vida nos proporciona novas aprendizagens, a conhecera, de imediato a identificou como a companheira ideal, a mulher dos seus sonhos. A companheira que sempre sonhara,doce,amiga,carinhosa,inteligente, sensual, discreta,educada e cúmplice. E quando a encontrara, punha nela todas as esperanças que a vida poderia lhe proporcionar. Nunca sentira alegrias tão intensas, afinal, pensou, chegara o momento de ser totalmente feliz. Imaginou mudanças em sua vida, faria por ela e para ela tudo o que fosse possível para vê-la feliz, só queria ter a certeza de que, a companhia dele, era realmente o que ela queria também, estar com ele, fazer-lhe companhia, dividir os momentos da vida, estar junto até os seus derradeiros dias.
Seria ela, em suma, a companheira.
                A fila de carros em que está começa a andar lentamente, já é alguma coisa, todos os dias, o dia todo é aquele mesmo tormento. Chegara ao trabalho, em cima da hora, o trabalho naqueles dias parece que havia se intensificado, muito trabalho, mas, também, era tudo muito bom; não havia tempo para remoer aquela separação nem tempo para mastigar e instigar as mágoas. Os dias estavam voando e daqui a pouco, era hora de retornar a casa, incialmente, a chegada em casa era bem triste, pois tudo lembrava a companheira que já não mais estava ali; mas, teve uma idéia; contratou pintores, mudou a cor do apartamento, trocou os móveis, deu ao seu lar uma nova cara. Inicialmente dolorosa,aquela partida, foi-se aos poucos acostumando a estar sozinho.
             As luzes coloridas que anunciavam o Natal, piscavam intensamente deixando ainda mais iluminada a cidade. Tinha um estranho costume, gostava de caminhar por aquela avenida, àquela hora da noite, quando a maioria dos habitantes já estava recolhida aos seus lares, descansando ou entregando-se à prática cotidiana de suas cotidianas atividades noturna. A avenida contornava toda uma faixa de mar, o que propiciava excelente ventilação aos passantes e habitantes ao redor. No relógio da igreja, soava uma da manhã, que tranqüilidade, que paz, como era bom caminhar àquela hora, sem atropelos, sem calores, sem buzinas, sem engarrafamentos, sem a azáfama diária que caracteriza as grandes cidades. Não podia deixar de pensar no epílogo que tivera a sua relação com a companheira que acreditara a ideal, a mulher de sua vida. Pensava e quanto mais pensava, mais tinha a certeza que fora um imenso aprendizado. A companheira tinha muitas qualidades, mas também, ele o reconhecia, alguns deslizes. E um dos deslizes que mais o incomodavam era a ansiedade, ela queria de imediato que todos os seus sonhos e pendências, de uma vida inteira fossem de imediato resolvidos, ele, como sempre previdente, preferia esperar mais um tempo, ver se era aquilo mesmo que ela queria. Ele sempre lhe perguntou: tem certeza ? E amorosamente ela lhe respondia: é a certeza maior que eu tenho. Ele a queria feliz, e vê-la feliz era agora um dos seus objetivos na vida. Mas, depois de tantos vãos e desvãos, e de tantas esperanças vãs, de tantas conversas, discussões, mal-estares, depois de tantas cobranças....ela veio-lhe dizer afinal que estava apaixonada, tinha um novo amor, alguém que veio de fora, de um lugar distante e ela se empolgara por ele. Inicialmente surpreendeu-se com a revelação, mas, aos poucos foi aceitando e até acostumando-se com a nova situação, depois de prepará-lo por algum tempo, ela foi generosa, lhe deu o golpe de misericórdia, "não quero mais ficar com você, não quero mais vê-lo". Em verdade ele já sabia o que estava acontecendo, não sabia explicar, mas, sentia que algo não ia bem; que a maré não estava para peixe, que alguma coisa estava para acontecer, diziam-lhe a sua intuição e os seus botões. E não se enganara. Ela foi-se! Pensou, pensou, pensou muito. Andar lhe fazia bem, principalmente ao frescor da noite com as ruas tão vazias. As folhagens das palmeiras imperiais que ornavam a avenida a beira mar balançavam-se num sincronismo ímpar ao ritmo do vento generoso que refrescava a cidade. Era dezembro. As luzes do Natal acendiam-se intermitentemente, como era bonito! Ela fez bem em ir-se, afinal, tudo o que buscamos nesta vida é ser felizes. Era uma mulher que queria a liberdade dos ventos, nada nem ninguém poderia toldar-lhe os passos, nem os vôos. De que adianta ter consigo um pássaro e não poder ouvi-lo cantar, nem acompanharmos felizes, o bater de suas asas? Ela fez bem em ir-se! Ele sentiu-se melhor agora. Estranhamente, fora como se um peso enorme fosse-lhe retirado dos ombros; sentiu os músculos relaxados, na testa já não trazia mais os vincos de preocupação e a aridez dos momentos de discussão, que gerava desconfortos e contrações nervosas que já não iriam mais existir. Sorriu, percebeu que, depois de quase vinte e quatro meses, sorrira leve, gostoso, relaxado; tentou uma risada num tom mais alto, riu, riu, riu muito, e nesse riso conseguiu liberar as tensões que vinham se acumulando durante aquele relacionamento. Percebeu que, por mais que fizesse e quisesse fazê-lo, por maior que fosse a doação, ela nunca estaria feliz com ele. Na verdade, não era a ele quem ela queria, ele sempre o soube, mesmo nos momentos em que ela lhe jurava a certeza de amá-lo sempre. Intimamente, lá no fundo, ele sempre soube que ela enganara-se pensando enganá-lo, ele sempre soube.
          Ela fez bem em ir-se!
         Suspirou e respirou fundo. Desejou imensa e sinceramente que ela fosse feliz, feliz sempre em todos os seus dias. O dia começava a clarear quando ele voltou para casa e percebeu quão magnífica era a aurora de cada dia naquela sua cidade tão cheia de mar e tão plena de luz, e como era bonito em cada dia, o amanhecer !

Fátima Trinchão
Enviado por Fátima Trinchão em 13/02/2010
Alterado em 04/08/2023
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