Era uma rua bem cuidada. Com casas coloridas em ambos os lados. No meio da rua, entre uma calçada e outra, frondosas e verdes árvores enfeitavam o lugar e tornavam mais ameno o ar, ao mesmo tempo em que abrigavam centenas de ninhos de pássaros que ali faziam morada e embelezavam com o seu canto doce e mavioso o cotidiano local.
É mês de junho.
As chuvas e as temperaturas mais frias se fazem presentes. O vestuário próprio da estação se torna moda entre os visitantes e moradores. quem por um acaso por ali desembarcasse desprevenido, certamente passaria por maus bocados, pois a temperatura costumava beirar os treze graus, nos dias mais quentes baixando entre cinco e sete graus quando realmente era considerado frio, e todos tiritavam ainda que embaixo de mantas e cobertores de lå e meias reforçadas, esticadas até o joelho. Quando mal chegava a noite, o povo do lugar se recolhia aos seus aposentos.
Era assim no mês de junho.
Era o mês de Santo Antônio, São João e São Pedro.
A maioria dos habitantes da cidade eram católicos e católicos fervorosos. Em algumas casas rezava-se a trezena de Santo Antônio. Naquela rua em particular, três casas, de três familias antigas do lugar, conservavam a tradição. Combinavam os horários, rezando o Santo Antonio, em horários alternados, de maneiras que todos os assistentes, pudessem estar presentes nas três casas da rua, em que, em voz alta e com muita fé, se louvava a Santo Antônio e suas virtudes.
Dona Noca, Noquinha para os íntimos, dona Sinhá e dona Ofélia rezavam, cada uma a seu tempo, em louvor ao Santo milagroso .
Daquelas três casas a de Dona Sinhá iniciava as orações e benditos do trizenario em louvor ao Santo milagroso, passando os fiéis participantes para a casa de dona Ofélia e por fim, para a casa de dona Noca, Noquinha para os íntimos.
Para se chegar àquele momento, o auge dos preparativos, muito trabalho e correria houve.
Na casa de dona Noquinha, por exemplo, desde o meado do mês de maio, ainda nas orações e homenagens à Mãe Maria Santíssima, as preocupações com a decoração e a compra de comidas e fogos para o Santo Antônio já se faziam presentes.
_ Dazinha,vai fazer o quê para a primeira noite ?
- Não sei ainda madrinha Noquinha....
- Que tal um mingau de puba com bolo de milho ?
, Pode ser.....madrimha. Agora tem que ser um panelão pra dar pra todo mundo...
, Vc já sabe qual é a panela, não precisa nem falar mais....vá la buscar pra tirar a dúvida...Comida que dê pra todo mundo encher bem o bucho e se fartar....
- Deixe comigo.... é bom pegar as carnes do feijão com antecedência....
Aqueles dias que antecediam a trezena de Santo Antônio na casa de dona Noca, eram dias de muito trabalho e muita alegria.
No dia vinte e oito de maio tratava-se de tirar a imagem de Santo Antônio do belo nicho onde se guardavam os Santos de devoção da família. A bela imagem de Santo Antônio, pertencia a família há mais cem anos. Fora trazida de Portugal, e pertencera a sua bisavô que também tinha devoção com o Santo e essa devoção foi passando de mãe pra filha, com compromisso de todos os anos nesse mês de junho, rezar-se a trezena de Santo Antônio.
- Não é que eu queira ser melhor não, mas, meu Santo Antônio é o mais bonito de todos.... dizia dona Noquinha.
A imagem do Santo Antonio de dona Noca era esculpida em madeira, media em torno de sessenta centímetros,vestia o hábito marrom. tradição dos franciscanos. E Trazia na mão direita o Menino Jesus e na mão esquerda suas armas: a cruz e a espada. Todos os anos o Menino Jesus do Santo Antônio de dona Noca tinha roupa nova, muito da bonita, com tecido do mais caro e fino. Ano após ano, a decoração era do mais apurado bom gosto. O trono de Santo Antônio era todo obra de arte, criada com o mais puro empenho e capricho. Tudo muito do bonito.
Rezava-se a trezena nos doze dias e no décimo terceiro dia, antes das orações , saiam todos em procissão levando o Santo no andor, aos ombros, em curto percurso, que compreendia a rua em que moravam, dando a volta na praça, retornando a residência, para daí repor Santo Antonio no seu trono, quando todos eram convivas a um café generoso e reforçado, que se estendia, entre vivas, fogos e orações até o horário do almoço. Almoço esse que compreendia, uma lauta feijoada, de estalar os beiços, pra ninguém botar defeito, acompanhada de um delicioso aluá, iguarias de lamber os beiços, e se tiver barriga pra tanto, repetir até se fartar.
Depois de tantos preparativos, chegou afinal, o primeiro dia da novena do Santo. Fogueira acesa na frente da casa. Casa lotada. A cada minuto que passava ia chegando mais gente. A casa de dona Noca, pequena que era, assemelhava-se ao coração de mãe, cabia todo mundo. Sala de visitas, corredor, quarto ao lado, outro quarto, sala de jantar, cozinha, área de serviço e um pequeno quintal. Na sala de vistas, normalmente entulhada de gente, Santo Antônio reinava ali, no seu trono, brilhava entre tules e enfeites, babados, estrelas e velas, muitas velas que o iluminavam sempre e cada vez mais. Tinha vela até debaixo do altar.... vai lá saber-se o porquê?
`` Santo Antônio tem um trono,
Tem um trono, e não é rei ,,
Dizer do povo antigo, dizem que veio lá de Portugal. Todos os anos Santo Antônio tinha um trono muito do caprichado. Obra de arte, das mãos da sobrinha de dona Noquinha, chamava-se Edinha. Edinha tinha uma mão santa pra essas coisas.
Na primeira noite da trezena, depois de uma respeitável espera, solenemente, adentra a sala, repleta de gente, dona Noca e mais dois sobrinhos, que faziam às vezes de acólitos, um do lado esquerdo e outro do lado direito, um trazia a Bíblia e o outro o turibulo, com o incenso.
Diante do altar, iniciaram-se as orações tão esperadas.
``Em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo”.
E entre orações, benditos, incensos e aplausos transcorreu a primeira noite da trezena de Santo Antônio com toda a fé, pompa, beleza e circunstância que lhes eram peculiar...
Ao final, todos foram convidados à sala de jantar, para saborear um delicioso mingau de puba, quentinho, saído do fogo. Quase feito na hora.
Todos se apressaram a ir para a sala de jantar, ávidos por saborear o mingau e iguarias do dia. Depois de terminado o momento do mingau,
aos poucos os convidados foram se despedindo e a casa foi ficando vazia, só com os seus moradores. Já era hora de fechar as janelas, trancar as portas, despedir-se de Santo Antônio, apagar as luzes e as velas, ir dormir porque amanhã será um outro dia.
De repente, ouviu-se um grito:
- Ahhhhhhhh...Meu Deus....
Era dona Noca.
Acorreram sobrinhos e Dazinha, a afilhada.
- O que foi dona Noca ?
- O que foi tia? Tá sentindo alguma coisa ? Perguntou Edinha.
- Meu Deus vcs não sabem.....
- O que foi tia ?
Gaguejando dona Nica falou com muita dificuldade:
- O menino....o menino...
- O menino o quê ? Que menino tia ?
- O menino de Santo Antônio sumiu,,,
- Oxente exclamaram todos a um só tempo......
E ela confirmou:
- Levaram o menino de Santo Antônio.....
- Meu Deus não é possível....exclamou Dazinha..
- Não é possível, repetiram os sobrinhos.
- É possível sim.... Santo Antônio está sem o Menino Jesus.. afirmou Dazinha
- E agora como vai ser ?
- A procissão não pode sair sem o menino....! disse dona Noca....vou ter que falar amanhã com os convidados....é o jeito. Não tem outro.
E durante todos os outros dias da trezena, faltavam onze, dona Noca lembrava, muito educadamente, que se alguém, por um acaso, tivesse levado o menino Jesus, que devolvesse.
Ninguém devolveu a imagem e ninguém viu quem pegou e se viu ficou calado. Estava tudo como era dantes no quartel de Abrantes. O silêncio se fez presente naquele momento.
A notícia caiu como bomba no lugar e todos comentavam entre si, buscando saber quem tivera a audácia e a pachorra de roubar o Menino Jesus do Santo Antônio de dona Noca.
As orações continuaram nas noites seguintes. Já se aproximava o dia de Santo Antônio. O dia sagrado, o 13 de junho quando a imagem do santo, sairia em procissão acompanhada por dezenas de fiéis.
Senhor Cícero conhecido por todos, na sua carroça, fazia um percurso pelo bairro, de manhã e de tarde, avisando a todos que pudessem ouvir, do ocorrido: Roubaram o Menino Jesus do Santo Antônio de Dona Noca.
Foi um alvoroço.
Pela vizinhança não se falava em outra coisa. seu Luiz, vizinho antigo, convidado que sempre esteve presente nas noites solenes do trizenario, procurou dona Noca em particular, e quase que ao pé do seu ouvido, segredou-lhe:
- Se eu fosse a senhora levava o caso pra Polícia. Tenho um amigo lá dentro que é batata....ele descobre logo quem foi. Posso ir até com a senhora pra dar queixa...
Dona Noca se assustou.
- Misericórdia seu Luiz. Deus que me livre e guarde dessa má hora. Todo mundo aqui é gente de casa, gente amiga...
- Gente amiga, mas levaram o Menino Jesus de Santo Antônio.....
- Deixa pra lá seu Luiz. Tenho esperança que quem pegou vai devolver. Tenho conversado com Santo Antônio todos os dias, o dia todo....Santo Antônio há de me ouvir...
- Se a senhora prefere assim.....
- Prefiro sim. Vamos rezar.
E a vida continuou..
No dia 12 de Junho, no momento das orações dedicadas ao Santo, dona Noca voltou a pedihe-lhe que enchesse de compaixão o coração de quem levou, por engano ou emprestado o Menino Jesus, Realizadas as orações e agradecimentos, todos foram convidados ao mingau daquela noite. Alguns esperavam avidamente o convite. Antes mesmo da oração terminar, já estavam sguardando, ocupando as poucas cadeiras disponíveis. No entanto, por mais cedo que chegassem, Dazinha, afilhada de dona Noca, só servia o mingau tão aguardado, depois de encerradas as orações da noite.
O grande dia chegou.
Dia 13 de junho, todos a postos . na rua de dona Noca, muitos devotos aguardavam a saída da procissão. O burburinho que se ouvia, era de que Santo Antônio sairia sem o Menino Jesus. No dia 12, que foi a última noite, quem ficou até o ultimo segundo, não viu nenhuma mudança, muita expectativa, mas, o Menino Jesus ainda não fora devolvido.
As panelas por sobre a mesa, destampadas, deixavam fumegar o mingau de milho bem quente. E muitos dos que ali se encontravam chegaram a salivar à vista das iguarias.
Agora a sala de visitas onde se encontrava a imagem de Santo Antonio estava vazia. A chama das velas continuavam acesas, crepitantes...as janelas abertas renovavam o ar, balançando as finas cortinas que protegiam e enfeitavam o ambiente. O chão daqueles de cera vermelha, espelhava as paredes e móveis do cômodo em questão.
A sala de visitas estava vazia.
Na sala de jantar, onde todos se encontravam estavam a servir o mingau, os bolos, beijus, lelés e outros, avidamente consumidos por todos que ali se encontravam. Após a farta refeição, e acomodados cada um em sua cadeira, a conversa corria solta. Lembranças e relembranças de tantos que já foram, de tudo que passou. Antigas histórias.
Na vitrola o velho disco de vinil rodava encantando a todos com as músicas da atualidade: Jorge Veiga e Pixinguinha. Enquanto isso, as conversas continuavam animadas e entrelaçadas alcançando a todos os presentes. Outros cantarolavam com Pixinguinha as Rosas não falam. O momento era de descontração total.
A casa estava lotada. Até a sala de jantar tinha gente. E dona Noca, entre entristecida e acabrunhada dirigiu-se aos presentes:
‘’ Meus amigos, agradeço a presença de todos, porém ressalto que, o Menino Jesus de Santo Antônio, ainda não foi devolvido. Se por um acaso alguém tiver levado, por engano, que devolva, Santo António está sentindo muito a falta dele. Quem pegou pode devolver que ficarei muito grata. Amanhã será a procissão e não poderemos sair sem a imagem completa. Santo Antônio não poderá ir às ruas, sem o filho dele. Desde já agradeço a todos. Vamos iniciar as orações de hoje. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.’’.
iniciaram-se os cânticos e as orações. Cada um intimamente fazia a sua conexão com o Alto, agradecendo e pedindo, gratidões e pedidos que eram recolhidos, pelos Anjos que ali estavam para serem levados ao Alto e entre todos esses pedidos, estavam os pedidos de devolução do menino Jesus, para que naquele ano, tudo pudesse terminar bem.
Após as orações, o já tradicional mingau e demais acompanhamentos, momento esse em que a sala de jantar estava cheia, com muitos de pé e poucos sentados, pairava no ar a expectativa de como aconteceria no dia seguinte a procissão. Em meio àquela alegria e confraternização, que ocorria todas as noites do trizenario, os preparativos para a feijoada do dia seguinte estavam muito adiantados. A movimentação na cozinha era grande, mas ainda havia muito a se fazer. Sinal de que, a noite seria longa. No entanto uma dúvida pairava no ar: a procissão ainda aconteceria ? Santo Antônio sairia no andor sem o seu Menino Jesus? Até que, no meio de toda aquela gente, alguém perguntou:
- Dona Noca como vai ser amanhã, Santo Antônio vai sair assim mesmo ?
- Vai sim...
- ...mas ele vai sair sem o Menino ?
- Ó, o que não tem remédio, remediado está....Deus proverá.....amanhã todos aqui no horário de sempre. Santo Antônio vai sair as dez horas. O padre da paróquia dará a bênção de Santo Antônio, encerraremos a trezena com chave de ouro e logo após, como em todos os anos, será servido o café da manhã e a feijoada do Santo. Todos estão convidados.
Encerrado o conversé, cada um dos convidados, tratou de tomar o seu rumo, vez que. amanhã será outro dia.
Enquanto o restante da família se concentrava na lide da cozinha, que não era pouca, dona Noca tinha como sempre a responsabilidade de fechar a casa, apagar as velas, passar as trancas nas portas. Começou pois, trancando a porta principal. Subiu os cinco degraus que davam acesso à casa e depois, adentrou a sala de visitas, onde ficava Santo Antônio no seu trono. Dirigiu-se às janelas, trancou-as. Puxou as cortinas. Por aquela noite, ia despedir-se do Santo, e apagar as velas....
De repente gritos:
- Meu Deus.....meu Deus.....meu Deus.....
Dazinha correu, enxugando as mãos...
- O que foi madrinha ?
- Milagre...Milagre....Milagre. gritava dona Noca.
Todos acorreram a sala de visitas para ver o que se passava.
- Mii...milagre ela dizia, enquanto apontava para o Santo, e grossas lágrimas escorriam pelo rosto, vincado por tantas outras histórias durante tantos anos.
- Ele voltou...o Menino Jesus voltou....
Só agora os familiares perceberam que o Menino Jesus estava de volta aos braços de Santo Antônio, bonito e sagrado como sempre.
- Milagre, exclamaram todos, em uníssono. Milagre...Milagre...Milagre...
Abraçaram-se felizes.
O menino Jesus estava lá nos braços do Santo, tal como antes, parecia até, que de lá, nunca tinha saído. Dona Noca tirou a pequena imagem de onde estava, a fim de examinar mais de perto, se no tempo em que passou fora, por um acaso, fora maculada. Mas não, não tinha sequer, um arranhãozinho. Emocionada dona Noca a fez retornar ao lugar de sempre.: os braços do Santo de Pádua.
- Muito obrigada meu Deus. Muito obrigada. Vamos voltar para os afazeres minha gente, porque as horas passam depressa e daqui a pouco amanhece.
- Tá certa Madrinha, vamos voltar pra cozinha.
E na cozinha, o que não falta é trabalho.
Depois de muito corre corre, deu tempo de arriar a cabeça no travesseiro e dormir um pouquinho. Dali a pouco amanheceria e os preparativos para a saída da procissão iriam começar. A equipe estava a postos e se dividiram entre os que iriam com a procissão e os que ficariam em casa cuidando do café e do lauto almoço que era já tão esperado pelos convivas que ali se encontrariam e que chegariam ansiosos.
Amanheceu.
A rua estava repleta de fiéis e todos engalanados para o grande dia. Antes do andor da imagem apontar, Dona Noca, apresentou-se a entrada da casa e dirigindo-se aos presentes :
¹¹ Meus amigos, bom dia a todos.
Todos nós sabemos, e não é segredo para ninguém o que ocorreu este ano com a imagem Sagrada de Nosso Pai, Santo Antônio. Ele teve o seu menino Jesus afanado, retirado dos seus braços numa atitude impensada de quem o fez. O fez por ignorância e até quem sabe por profunda imaturidade. Santo Antônio passou quase que toda a trezena sem o Menino Jesus. Ontem a noite, porém, após o encerramento das atividades do dia, ao apagar das velas, notei entre encantada e agradecida a presença do Menino Jesus, de volta aos braços de Santo Antônio. Confesso que não me contive e caí em lágrimas. Lágrimas de alegria. Lágrimas de emoção. Lágrimas de agradecimento. Lagrimas de felicidade. Milagre, creio eu, pois já dava como perdida a imagem do Menino Jesus.¹¹...
Milagre, Milagre, Milagre, diziam uns aos outros que estavam em primeiro lugar , mais próximos de Dona Noca, que emocionada continuou: ¹¹ Sim, milagre sim. Porque quem pegou poderia ter quebrado a imagem.mas não quebrou; poderia ter jogado fora, mas não jogou...creio mesmo que quem tirou a imagem do Menino Jesus de Santo Antônio,, o fez por fé. Deve ter feito algum pedido, alguma promessa quem sabe.... mas, o importante é que devolveu o Menino são e salvo. É um milagre...³³
Milagre, milagre, repetiam alguns. Milagre repetia Dona Noca com as mãos voltadas para o céu. Logo, a multidão, presente, repetia, a uma só voz: MILAGRE.MILAGRE,MILAGRE. Do meio do povo, uma voz masculina bradou: Viva Santo Antônio. Ao que os presentes aclamaram : Viva Santo Antonio.
A imagem chegou à porta da casa de Dona Noca, toda enfeitada, cheia de flores. Em todo o seu esplendor. Vivas e palmas estrepitosas soaram. Alguém do coral puxou o canto, ¹¹ Se milagres tu procuras, pede-os logo a Santo Antônio....¹¹ e a multidão abriu espaço para o Santo passar, Dona Noca junto ao andor, e fieis iam puxando as preces e cantos. Alguns componentes da filarmônica prestigiaram a procissão tocando e acompanhando, o que incentivava os fiéis, e tornava a caminhada mais amena, todos contritos oravam e cantavam. Durante o trajeto, os moradores dos sobrados com as suas sacadas enfeitadas com toalhas trabalhadas no Richelieu e dos andares superiores jogavam pétalas de rosas brancas durante a passagem da procissão.
Lindo de se ver. Em muitos, a emoção tomava cinta, se fazia presente e as lágrimas rolavam nas faces, sem que fosse possível impedi-las. Pura emoção.
Concluído o trajeto da procissão, tendo a imagem retornado a sua casa, acompanhada da multidão que era intensa na fé e presente, na porta da casa, o Padre da Paróquia, que acompanhava a imagem, em todo o seu trajeto, antes que a mesma, entrasse para reassumir o seu trono, virou-se para a multidão que ali estava e os abençoou, aspergindo após a água benta, que era recebida com fé e devoção por todos os presentes.
A imagem, ao ser entronizada na residência de Dona Noca, entrava de costas, palmas estrepitosas se fizeram ouvir. Vozes de dentro da multidão bradaram: Viva meu Pai Ogum., Ogunhê, responderam outras vozes entusiasticamente. Ao mesmo tempo em que, foguetes espoucavam trazendo mais alegria e chamando a atenção dos que ali estavam e dos que ouviam e acompanhavam nas proximidades.
Viva Santo Antônio, diziam alguns.
Viva Meu Pai Ogum! Exclamavam muitos.
``Ó que suavidade,
Que em Vós feliz achei
Antônio Imaculado
Quando.....Vós procurei achei
Adeus, adeus, adeus
Adeus até para o ano
Adeus Santo Adeus.
Adeus Santo Antonio adeus,=....
Mesmo tendo sido encerrado o cortejo religioso, a multidão permanecia a porta de Dona Noca e proximidades. Aguardavam por algo mais. Até que ela, Dona Noca, resolveu se manifestar, fazendo o convite aguardado: ¹¹meus amigos, como em todos os anos, preparamos a feijoada tão do gosto de todos, quem quiser ficar para tomar o café e daqui a mais um pouco, almoçar conosco é bem-vindo. Vamos devagar que a casa é pequena, mas o coração é grande, aos poucos vamos entrando, dá pra todo mundo. Palmas e mais palmas, fogos que espoucavam alegremente festejando o Grande Santo Antônio de Pádua.
Depois da despedida, a imagem de Santo Antônio, foi levada ao nicho, onde ficaria guardada, até o ano seguinte. Completo, estava com o Menino Jesus e sua espada, assim como tem que ser.
Quanto a pessoa que por querer ou por engano, tirou o Menino Jesus dos braços de Santo Antônio, não se sabe coisa alguma. Ninguém viu nada. Nem quando o menino foi retirado, nem quando foi posto no lugar. Dona Noca, ao relatar sobre o acontecido, desejava que, se foi promessa, a pessoa que levou o menino, mas devolveu, tenha atingido o seu intento, estando com isso muito feliz. Não se soube quem foi, dizia dona Noca, nem quero saber. Só sei que o menino está agora no nicho bem guardado, nos braços de Santo Antônio. Que essa pessoa seja feliz. Assim ela respondia, quando dos comentários e indagações feitos pelos curiosos mais próximos.
O lauto almoço foi servido!
Uma senhora panela de barro cheia de feijão, muito do gostoso, de dar água na boca e estalar os beiços, como já diziam os antigos. na hora de serem servidos. Dona Noca, muito contente, não cabia em si de felicidade. Junto com sua equipe iam revezando-se nas atividades, até que todos estivessem bem servidos, e olha que ainda tinha aqueles todos muito comportados e com suas roupas de ‘’ ver Deus” que esperavam pacientemente, e repetiam por duas ou mais vezes. Para acompanhar aquela feijoada tão deliciosa, gasosa, refrigerante Grapette e o maravilhoso aluá, no preparo durante um ano ou mais. Depois a sobremesa, cocada puxa, doce em calda, quindins...tudo muito gostoso e com muita fartura.
Após a hora sagrada do almoço, sentaram-se para trocar algumas palavras, enquanto faziam a digestão. Conversaram do tempo, do governo, da carestia. Da vida.
Então alguém lembrou: Senhores, e o Samba ?
- É verdade, o Samba do Santo....
- Comadre Noca, onde é que se pode festejar o Santo ?
E dona Noca:
- Mais do que já se festejou ?
- Sim. A senhora sabe que sem o samba do Santo, as homenagens não estão completas.... ..
E dona Noca responde:
- Tá bom, samba ai fora, no quintal.
- Então vamos...
Arrastaram os cacarecos do quintal: bacias, quarador, baldes, vassouras e apanhadores.
Formou-se uma roda. Batendo palmas, alguém iniciou o samba....
(Quem não lembra, um delicioso samba de Dorival Caymmi,,,)
“O samba da minha terra deixa a gente mole,
Quando se samba todo mundo bole,
Quando se samba todo mundo bole....
Quem não gosta de samba,
Bom sujeito não é,
Ou é ruim da cabeça,
Ou é doente do pé. “
E por aí foi emendando um samba no outro. Até dona Antônia, que festejava o seu aniversário naquele dia, chegou elegante, sapato scarpin, joiás de ouro e blusa de seda, não resistiu, guardou no cantinho, o scarpin luxuoso e caiu no samba, e assim foram, até noitinha, quando todos se despediram e cada um rumou para suas casas, corpos cansados, mas felizes com aquele encontro já antevendo que no próximo ano, se Deus permitisse, estariam todos ali para louvar o Santo. Até breve Santo Antônio ou até para o ano, só faltam agora trezentos e sessenta e quatro dias.
Depois que todos saíram, Dona Noca fechou portas e janelas. Estava cansada. Todos ali estavam igualmente exaustos, mas, conscientes do dever cumprido. No seu quarto, antes de deitar-se dona Noca, foi conferir, se a imagem de Santo Antônio, estava guardada na sua integridade. Estava sim. Pela primeira vez depois de muitos dias, deitou-se com calma e dormiu em paz e plenamente.
Foi um milagre!
Seis meses mais tarde ao sair para a feira, dona Noca encontra Estela, sua vizinha de rua e frequentadora assídua das trezenas de Santo Antônio. Encontram-se e cumprimentam-se.
- Dona Noca que bom revê-la...
- Pois é Estela, quanto tempo...
- Sim, apesar de vizinhas, mas demoramos de nos ver...
- É verdade...
- Tenho uma novidade para a senhora.
- Que bom. O que é ?
- Vou me casar.....
- Que alegria minha filha. Que bom ouvir isso...
- Pois é dona Noca
- E o rapaz, é bom ?...
- É, ele é uma ótima pessoa...
- Graças a Deus, disse dona Noca
- Graças a Santo Antônio. Asseverou Estela.
- É verdade minha filha. É verdade.
- Pois é dona Noca, mais um milagre de Santo Antônio.
Santo Antônio confirmou a fama de casamenteiro, e todos aqueles que a ele recorrerem terão de acordo com a permissão do Alto, os seus pedidos atendidos.
“ Se milagres tu procuras,
Pede-os logo a Santo Antônio,
Torna manso o iroso mar,
Das prisões quebra as correntes,
Bens perdidos faz
achar,
E dá saúde aos doentes.
Em qualquer necessidade,
Presta auxílio soberano,
De sua alta caridade,
Fale a voz dos Paduanos.”
Dias depois, uma vizinha próxima foi até a porta de Dona Noca, contar-lhe a novidade.
- Noquinha menina, você não sabe. Precisa saber...
- O que foi Claudiana ?
- O Zezinho, o meu Zezinho....o meu filho....
- Sim...
- Arrumou um emprego...graças a Deus;
- Graças a Deus, repetiu dona Noca...
- Gracas a Deus e a Santo Antônio..
- Ah, Santo Antônio, ele é milagroso...
- Sim, O Zezinho mandou vários currículos, porém, só agora foi chamado...
- Que beleza! Já começou ?
- Pra semana. Na segunda feira.
- Tá perto, hoje já é quinta. pontuou Noquinha.
- Milagre Noca, Milagre.
- É verdade Menina. Milagre.!
Felicidades para todos.
Ao final, ninguém soube quem afanou, ainda que por alguns dias, o menino Jesus de Santo Antônio, só Deus, que tudo vê, é quem sabe. O mais importante é que a pessoa teve consciência e devolveu o Menino. Milagre!. É verdade, foi mais um milagre de Santo Antônio. Santo Antônio é milagroso. "Se milagres tu procuras, pede-os logo a Santo Antônio. Em qualquer necessidade presta auxilio soberano ".
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